Vice-Campeã Mundial de Wrestling e Fundadora da ONG Mempodera conta como o esporte e a leitura transformaram a menina rebelde em uma atleta olímpica
Conheço poucas histórias tão inspiradoras e poderosas como a da Aline. Ela é daquelas pessoas que marcam presença – não só pela estatura e pelo porte atlético de lutadora – mas pela forma como se coloca. Para esse 23 de junho, Dia do Atleta Olímpico, fiz questão de entrevistá-la com um tom diferente: falar menos da infância sofrida e dos perrengues e mais do que a fez sair dessa realidade e querer investir o seu limitado tempo de atleta para ajudar outras meninas a conquistarem o mesmo. Inicio a conversa falando do presente – ser atleta e empreendedora ao mesmo tempo. Sempre tive curiosidade de saber como e porquê ela decidiu seguir esse rumo incomum de dividir a atribulada agenda de treinos e campeonatos com a gestão de uma organização sem fins lucrativos. Afinal, a maioria dos atletas brasileiros que eu conheço só decidem por criar algum projeto social depois da aposentadoria, quando já estão “com a vida ganha” e portanto com tempo e dinheiro disponíveis. Aline conta que foi aos 20 e poucos anos que ela entendeu que podia e precisava fazer algo em prol das meninas que vinham da mesma situação que a sua. Após conquistar sua primeira medalha mundial – que até hoje é a única de uma brasileira na modalidade – a lutadora se deu conta de que já não fazia mais parte da estatística da maioria das pessoas de onde ela vinha, e começou então a refletir sobre como o esporte possibilitou essa transformação:
“Eu tive muita da educação envolvida, mas para mim foi a disciplina do esporte me permitiu amar aprender”
Hoje à frente da ONG que fundou em 2018, a Mempodera, os desafios são outros: aprender sobre gestão, marketing, captação de patrocínios. Mas é graças à leitura – um hábito adquirido ainda na infância com a mãe Lídia – que ela tira de letra e já planeja inclusive a criação de um novo projeto de propósito social, agora com fins lucrativos.
“Teve um outro agente aí [na minha formação] que foi a minha mãe, que sempre me inspirou e, sem querer, por sempre ter um livro à mão quando ia para o trabalho de ônibus, ela me fez pegar o interesse pela leitura. E a leitura te abre um outro mundo.”
Aline me conta que passou por muitas dificuldades – desde o coma ainda na infância, crescer sem o pai, até passar fome em 2007 em Curitiba. E é inspirador escutá-la dizer que, ao se perguntar o porquê de ter sofrido tanto, a resposta que a traz paz é porque existe um propósito maior
“Fui criada por uma mãe solteira, negra e que teve muita dificuldade para me criar. A Aline dos 11 anos vivia na rua, e os pais das minhas amigas não queriam que elas andassem comigo. Se eu pegar toda essa minha história e não tiver um propósito, fica muito sofrido lidar com tudo o que eu passei”
Identificar o propósito é um passo fundamental para qualquer agente de transformação, mas que precisa ser seguido da coragem para colocá-lo em prática. E foi o que Aline fez: criou “um projeto social no qual eu pudesse dar aulas de esporte – que foi o que transformou a minha vida – e onde eu visse essa mesma história acontecendo na vida de outras meninas”. Além das aulas de wrestling, a Mempodera também ensina inglês para as meninas. Aline fez questão de incluir o aprendizado da língua após ler estudos que mostram o quanto pessoas que falam uma outra língua podem receber a mais no salário. Ela também conta que viveu na pele a consequência de não falar inglês – em 2006, recebeu uma proposta para treinar no Canadá, mas o convite ficou por intermédio de um responsável da Confereção que simplesmente não deu andamento e deixou a oportunidade se perder. Classificada para Tokyo, Aline diz que ainda sonha com a medalha olímpica, mas que para além disso ela quer aproveitar a vida ao máximo, aprender tudo o que pode – como atleta, como pessoa, como gestora – e assim conseguir provar o quanto nós, mulheres, somos capazes. Assista à entrevista completa no vídeo do início da matéria.